Presença. Ainda que seja uma necessidade quase fundamental e vital para a existência de uma obra, a presença física de um artista raramente é contestada ou requisitada pelo público acostumado à exposições. Sobretudo quando esse público se encontra em circulação corriqueira por museus, galerias e equipamentos que tradicionalmente exibem arte em seu sentido mais visual, pictórico, material. O artista é uma miragem. E muitas vezes elevado à um ser inalcançável, intocável e inacessível.
Diferente, contudo, dos artistas urbanos. Que, por sua natureza pública, são vistos regularmente em ação e em processo. Pintando paredes, portas e esquinas. São tangíveis, acessíveis e presentes, ainda que muitas vezes marginalizados e estigmatizados. São habituados à ideia de interagir, dialogar e tornar o público participante do seu trabalho. Estão presentes. Seu ateliê se torna a rua. E a rua, seu principal ateliê.
A partir de um convite do Museomix, evento francês que acontece anualmente e simultaneamente em diversos países reunindo criadores diversos para compartilharem experiências, a Galeria quartoamado trouxe a Presença como objeto de interesse. Partindo de uma ideia inicial de um ateliê aberto no Centro Cultural do Banco do Brasil, espaço oferecido pelo Circuito Cultural da Praça da Liberdade, identificamos a potência de ocuparmos uma das galerias do prédio com artistas urbanos presentes.
Nove dias, nove artistas. Cada dia, um artista. E cada artista, um dia dedicado a apresentar e a dialogar sobre seu processo criativo. Tendo em comum o espectro da arte urbana, os nove artistas convidados simularam um processo inverso do costume. No lugar da rua como ateliê, o ateliê como rua. O museu como rua. Um espaço aberto, vivo, vívido, recheado de imprevisibilidades, possibilidades e contatos calorosos com o público.
DIA I
CLARA VALENTE SINCRONICIDADE
Partindo da Presença e de outro objeto de interesse da exposição – a efemeridade – Clara Valente inaugurou os nove dias de Galeria quartoamado no CCBB com uma vídeo-instalação reunindo uma coletânea de stories de Instagram. Os vídeos tem extensão máxima de 15 segundos e, conforme regras da plataforma, duram 24h online – e depois são eliminados. Clara traz para um museu, dispositivo acostumado ao arquivamento e à posteridade, memórias e registros fugazes de caminhadas e visitas à natureza que compõem seu processo criativo.
DIA II
JOÃO MACIEL EXERCÍCIO CINZA
Exercício Cinza é desdobramento de uma série que João Maciel vem desenvolvendo no bairro Caiçara, em Belo Horizonte. Em Alive Neighbourhood Series, o artista interage, ressignifica e registra materiais e objetos encontrados na rua. Para o CCBB, João trouxe uma sequência desordenada de pneus, de diferentes tamanhos, e os organizou em três pilhas, formando três esculturas temporárias. Terminada a exposição, os pneus são descartados novamente no bairro.
DIA III
BABA JUNG RESQUÍCIOS
Em dedicação à pesquisa de novas apropriações da escultura, Baba Jung dividiu a galeria entre espaço expositivo e ateliê. Foram expostas seis peças de cerâmica que tateiam o universo de referências africanas do artista, que teve parte de sua formação em vivência na Gambia. Em paralelo, Baba dedicou o dia a intervir em outras peças, convidando o público a dialogar sobre o processo.
DIA IV
LUÍS MATUTO PALAVRAS NA TUA CARNE
Este é um projeto que o gravador Luís Matuto vem preparando ha alguns anos. A partir de tipos de madeira e de chumbo, o artista imprime textos de domínio público de escritores luso-brasileiros na pele de convidados. Para cada convidado, uma prosa ou poesia com sua personalidade. Tendo como objetivo uma gravura viva que respira, circula, muda e se transforma.
SELEÇÃO E CURADORIA DOS TEXTOS MARINA ANDRADE COLABORAÇÃO GABRIEL NASCIMENTO, ANA LETÍCIA E AGATHA ARAÚJO APOIO 62 PONTOS ESPAÇO GRÁFICO CONVIDADOS AGATHA ARAUJO, ANDREA CÓPIO, ANDREA MICHAELSEN, ARTHUR CAMARGOS, CLARICE LACERDA, MARCELA LIMA, PAIM E ROBERTA FERREIRA MONTEIRO
DIA V
THIAGO ALVIM CIRCULAÇÃO
Em Circulação, Thiago Alvim traz como material o papelão, objeto corriqueiro do cotidiano, usado intensamente em transportes e mudanças. Thiago corta, rasga, monta, remonta e grampeia uma série de folhas de papelão, formando uma escultura que não tem fim. Um diálogo com a temporalidade da matéria. Uma escultura efêmera do uso e do reuso, fazendo do descarte, uma arte, e fazendo com que uma obra de arte seja também descartada.
DIAS VI VII
ALEXANDRE RATO & HELDER CAVALCANTE REFLEXO
Reflexo se revelou uma desconstrução completa do museu enquanto espaço rígido, impessoal e inflexível. Proposição da dupla Alexandre Rato e Helder Cavalcante, que vem trabalhando juntos em murais pela cidade, a performance consistiu em dedicar dois dias a desenhar os visitantes da galeria. No espaço expositivo foi montada uma sala de estar confortável com tapetes e almofadas. Os retratos eram feitos enquanto os visitantes conversavam e descansavam. E os desenhos, quando prontos, foram sendo espalhados e acumulados por todos os cantos da galeria.
DIA VIII
CARLOS QUEIROZ O CAGADOR DE REGRAS
Tendo como ponto de partida uma série de regras, imposições e medidas preventivas para a ocupação da galeria de um prédio tombado, Carlos Queiroz trouxe uma performance que se pautava pelo cerceamento. O Cagador de Regras usa um megafone para atacar, posicionar e delimitar cenas e personagens em uma projeção.
DIA IX
CRIOLA RITUAL
Às vésperas do Dia da Consciência Negra – e tornando vital e necessária a constatação de que todos os dias são dias da consciência negra – Criola encerrou a ocupação da Galeria quartoamado no CCBB com a performance Ritual. Ao longo do dia, a artista desenvolveu uma pintura no corpo de uma Guardiã convidada, entoando, amplificando e aclimatando a galeria com cantos, sons e aromas.